Apostar na educação dos menos favorecidos é uma estratégia ousada que precisa encontrar solução inclusive para atender ao Plano Nacional de Educação (PNE, 2014-2024). O que não é razoável é continuar a privilegiar os que podem frequentar um ensino médio de qualidade e, por ironia, ingressar numa universidade pública gratuita que a classe menos favorecida ajuda a manter com seus impostos.A população brasileira tem cerca de 200 milhões de habitantes, dos quais 24 milhões são jovens entre 18 e 24 anos e, destes, somente 3,5 milhões são universitários (15%). Na Coreia do Sul, o índice de estudantes universitários é de 66%. Há quarenta anos, o Brasil tinha a mesma renda per capita da coreana, que hoje é duas vezes maior do que a nossa. E toda a estratégia do desenvolvimento daquele país foi focada na educação para todos e em todos os níveis. A universidade nasceu tardiamente no Brasil e foi organizada para formar quadros para as elites que dominavam os poderes político e econômico. A universidade pública e gratuita gera um paradoxo: as famílias ricas investem nas boas escolas particulares de ensino médio para garantir para seus membros a universidade gratuita, enquanto os de menos recursos precisam pagar pela educação superior. O ensino superior particular foi estimulado a se desenvolver porque não havia vagas nas universidades públicas. Nos idos dos anos de 1970, os jovens da classe média das grandes cidades queriam também entrar na faculdade – os célebres excedentes – e não tinham outro meio a não ser o de pagar suas próprias mensalidades. Os das classes de extratos econômicos baixos praticamente não tinham acesso. Neste início do século 21, o Governo criou o Programa Universidade para Todos (ProUni) e aperfeiçoou o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) no lugar do antigo Crédito Educativo (Creduc) para aumentar o índice de jovens na universidade. Foi uma ação de completo êxito porque em quatro anos já havia cerca de 2 milhões de bolsistas. No entanto, nos estertores do mês de dezembro de 2014, “burocratas iluminados”, antevendo as dificuldades orçamentárias que o Ministério da Educação (MEC) teria na gestão de 2015, alteraram por meio de portarias as normas do Fies. Estas, tomadas apressadamente e sem ouvir os setores interessados, tumultuaram o setor de ensino, justamente no momento das matrículas dos novos alunos e da confirmação dos veteranos. Desde então, as instituições têm vivido “um mês e meio de cão” com as notícias desencontradas e equivocadas, divulgadas pela mídia e pelo próprio MEC, causando mal-estar e desassossego entre os estudantes. As críticas voltam-se, entre outras, para o aumento dos gastos com o Fies sem a correspondente expansão do número de alunos, para os altos investimentos aos grandes grupos do setor privado com juros subsidiados e para a responsabilidade exclusiva do governo com a inadimplência dos alunos. Nenhum noticiário fez uma análise mais completa para salientar que o setor público chegou ao seu limite na provisão de educação superior, participando com apenas 26% do total dos 7,3 milhões de alunos matriculados e que o segmento particular atende com muita competência 74%, isto é, 5,4 milhões de alunos. Com as limitações para a expansão do Programa de Expansão das Universidades Federais (Reuni), o Brasil necessita, mais do que nunca, da colaboração do ensino superior privado para alavancar seu desenvolvimento e promover a inclusão social. Governo e setor particular devem caminhar juntos para resolver a equação do financiamento aos estudantes com menores recursos. As críticas abrem espaços para refletir, repensar e encontrar soluções adequadas para a questão, visando preparar melhor estes jovens e inseri-los numa sociedade onde as tecnologias de informação e comunicação estão transformando as relações num mundo que não tem mais fronteiras. O que o setor educacional não compreende é a forma como foram engendradas as portarias, sem que houvesse o necessário diálogo entre o MEC e os executores do programa, visando encontrar uma fórmula de minimizar os problemas para o Governo, para as instituições e para os estudantes. Tem razão o MEC quando fixa em 450 pontos, dos 1.000 possíveis, a nota de corte para que o candidato faça jus ao Fies e ao ProUni. É lógico que se deve financiar os mais preparados, levando-se em conta, porém, a realidade atual. As regras anteriores a esta exigência já vinham sendo praticadas há algum tempo e muitos estudantes foram beneficiados. Assim, as medidas deveriam ser postas em prática de forma gradativa para que, de um lado, o alunado se conscientizasse de que deveria estudar mais, se aplicar mais, exigir mudanças pedagógicas de metodologias de aprendizagem e para que, de outro, o governo investisse mais nos cursos de formação de professores e na melhoria da escola pública de onde se origina a maioria desses alunos. A mudança intempestiva da regra de corte para 450 pontos penaliza ainda mais os estudantes das classes “D” e “E” que em sua maioria frequentam o ensino público e que ficarão sem acesso ao Fies e ProUni. Uma medida dessa natureza afeta também duramente as instituições, considerando que o planejamento do ano e os investimentos estão em plena execução. Afeta especialmente, cerca de 2 mil instituições que possuem entre mil e 4 mil alunos, localizadas em sua maioria no interior do país. Como observa Fernando Schuler (Cadê a "Pátria Educadora"?), professor de políticas públicas do Insper, “o fato de o programa ser do governo lhe dá o direito de colocar essa regra, mas não de uma hora para outra, como foi feito. O planejamento financeiro das instituições é fechado com muita antecedência. Educação não é resolvida em curto prazo”, diz. “Além disso, o argumento para chegar a esse número é de que ele corresponde à inflação. Mas na precificação do ensino superior há inúmeras variáveis, como reajuste de salário dos professores, que não segue a mesma lógica.” Sintetizando, este não seria o momento de tomar uma medida drástica, mas de discutir a questão de outra forma: como melhorar a escola pública para que dela saiam estudantes mais qualificados, capazes de obter uma pontuação adequada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e de conseguir acesso ao ensino superior? Este é o grande desafio que a iniciativa particular tem de pactuar com o Governo para a melhoria do ensino médio. O setor particular está pronto para discutir o tema, encontrar estratégias de mudanças na educação, de forma conjunta com o governo, sem que este “quebre”, no entanto, os programas de fomento, deixando-os apenas para quem, muitas vezes, teve mais oportunidades. Qualificação sim, exclusão não, para que o Brasil seja efetivamente a “Pátria educadora”.